segunda-feira, 1 de novembro de 2010

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O TRAFICANTE

Freud ao meu entender e de muitos, deixou um vasto legado relacionado ao a compreensão do funcionamento psíquico do homem e da etiologia de suas neuroses. Estudiosos da psicologia e psicanálise continuaram observando a dinâmica deste funcionamento e vem descobrindo características do funcionamento mental.
Como gosto de subsidiar através destes teóricos sobre o que intervenho e escrevo e pretendo relatar neste breve artigo algumas considerações (hipotéticas) que venho levantando a respeito do Traficante.
Entrevistando os adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas na medida sócioeducativa, percebo algumas características evidenciadas em seu discurso. Para descrever um pouco sobre essas considerações, primeiramente é preciso falar sobre a atuação do traficante. O que faz, como faz e onde faz? Como chega a seu cliente e o que faz para conquistá-lo?
A meu ver o traficante é aquele que:
• Fornece um produto que causa transtorno para o sujeito, sua família e o estado sem o cometimento da justiça;
• Ele não compra o produto que vende;
• É um sujeito que se esconde nas fendas da sociedade para praticar seu delito;
• Costuma atuar em locais estratégicos, acolhendo aquele que não foi devidamente acolhido em seu contexto;
• Age como um manipulador de seu cliente e o conquista através de ofertas cada vez mais sedutoras, pois seu produto oferece o que promete sem omitir informações, ou seja, atua utilizando o marketing de fidelidade com o seu procurador.
A ação do traficante me faz acreditar que este sujeito encontrou um modo de agir no mundo que lhe satisfaz a partir do sofrimento do outro. O traficante é aquele que oferece a destruição ao outro. Seu produto são “granadas” entregues nas mãos de seus clientes que o levarão ao suicídio em curto, médio ou longo prazo.
Diante desta consideração supracitada, enxergo na psicanálise uma forma de justificar seu funcionamento psicodinâmico. Para isso, vou utilizar da teoria do desenvolvimento psico-sexual postulado por Freud em seus manuscritos.
Segundo a psicanalista Melanie Klein, a ligação da pessoa com a criminalidade está vinculada às relações primitivas que o bebê vivenciou. Para esta autora, as teorias sexuais formam a base da maioria das fixações sádicas e primitivas do sujeito.
Minha análise a respeito do indivíduo envolvido com o tráfico de drogas me faz acreditar que este sujeito parece ter se fixado na fase anal, e características de seus atos ilícitos me levam a entender que existem associações entre o tráfico de drogas e o bebê que entre os seus 2 a 4 anos de idade encontrou uma forma absurda de obter prazer, controlando suas fezes. Confesso não ter interesse neste artigo em descrever como se dá este desenvolvimento e as implicações das fases oral, anal e fálica, mas acredito que as implicações do desenvolvimento psico-sexual ocasiona desdobramentos da criança que posteriormente se torna um indivíduo em conflito com a lei.
O traficante é aquele que não come as próprias fezes, entretanto “brinca” com estas em um jogo sádico que faz o que quer com aquele que vem buscar seu produto. Aparentemente, o prazer obtido pode ser associado à mãe, pois é esta quem o limpa, ou seja, é o viciado que recolhe as drogas que ele oferece.
Talvez seja o que o traficante tem a oferecer, seu conteúdo destrutivo, suas bombas que destroem famílias, trazem mal cheiro as relações entre o sujeito viciado e o mundo.
Esse jogo de controle sobre o outro através da droga (entenda-se excrementos) é praticado de forma prazerosa, eu diria que uma forma lúdica de utilizar o outro para bel prazer, para a satisfação de algo que foi realizado durante tenra infância e do qual se sente saudades das sensações vividas há tempos. Digo isso porque a cronicidade do tempo do inconsciente é marcada por um tempo vivenciado dentro do mundo interno de cada sujeito, ou seja, pode-se entender que a atemporalidade é a marca que endossa meu raciocínio a respeito da busca dessas sensações passadas.
As sensações são re-vivenciadas no presente e os benefícios conquistados o impedem (ou dificultam) de deixar de praticar tal ato. Cito aqui os jovens que chegam a idade adulta, passam a responder como tal e não interrompem a prática deste delito.
O tráfico é um fim em si mesmo, deixando o outro de lado nesse ato, o que faz do traficante um manipulador das relações interpessoais quais vivencia com seu cliente.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O sofrimento do adolescente na medida sócioeducativa de Internação

Ao atuar como psicólogo na Fundação CASA costumo observar o quanto certas características comportamentais do jovem podem ajudá-lo a elaborar novas possibilidades desvinculadas da criminalidade. Neste novo artigo pretendo relatar sobre a importância do sofrimento na medida sócioeducativa de Internação.
Enquanto profissional que prega o olhar sobre o sofrimento psíquico e as implicações deste sofrimento na vida do sujeito, costumo observar o quanto o adolescente atua na sua medida e o quanto sofre no seu cumprimento.
Parece-me que o sofrimento pode ser um mecanismo proveitoso para o sócioeducador e adolescente. Para o adolescente pode ser benéfico, pois ao encarar suas angústias e desespero E SUPORTÁ-LAS, pode através de sua crise psíquica buscar novos caminhos para si, além de dar novos sentidos à liberdade, ao vinculo familiar, as atividades lícitas quais praticava antes de receber a medida punitiva, protetiva ou a re-socialização, ou seja, o sofrimento promove uma resignificação de suas ligações objetais. Para o sócioeducador, uma forma de olhar o adolescente de forma compreensiva e obter recursos para orientá-lo sobre as implicações de suas ações enquanto esteve liberto.
Acredito que o sofrimento se bem explorado pelo psicólogo, pode ajudar o adolescente a transformar em palavras aquilo que existe internamente no jovem, porém muitas vezes não é nominado por ele. Exemplos para contextualizar essa realidade não faltam: o pedido do jovem em ter a proximidade de seus genitores que muitas vezes mostram-se distante ou desinteressados pelo filho, a tentativa de tornar-se visível, pois a segregação social também é motivo de sofrimento para a adolescência, tendo em vista as “normais” implicações dessa fase da vida do sujeito.Enfim, motivos existem e abordá-los com respeito e atenção é um bom recurso para quem trabalha com adolescente em conflito com a lei.
Tenho percebido que para fugir do desespero da privação de liberdade, o adolescente utiliza alguns os mecanismos de defesa do ego, que funcionam como uma resistência do jovem ao encarar a conseqüência de suas ações e os desdobramentos de uma privação de liberdade. Entendo que o jovem que suporta seu sofrimento fornece recursos para todo o corpo funcional que o acompanha.
Sofrer torna-se, portanto o primeiro mecanismo para quem busca eximir-se do meio delitivo. Só a crise pode ajudar o sujeito a buscar novas saídas para si, só o sofrimento pode levar a pessoa a reparar os danos que causou a sua família e a si mesmo, só o sofrimento pode começar um processo que ajuda o jovem a eximir-se da criminalidade.
Citarei um famoso texto de Einstein sobre a crise que pode me ajudar e clarificar minhas idéias sobre a importância da crise em nossas vidas:


Não pretendemos que as coisas mudem, se sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor benção que pode ocorrer com as pessoas e países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite escura. É na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise, supera a si mesmo sem ficar 'superado'.

Quem atribui à crise seus fracassos e penúrias, violenta seu próprio talento e respeita mais aos problemas do que às soluções. A verdadeira crise, é a crise da incompetência. O inconveniente das pessoas e dos países é a esperança de encontrar as saídas e soluções fáceis. Sem crise não há desafios, sem desafios, a vida é uma rotina, uma lenta agonia. Sem crise não há mérito. É na crise que se aflora o melhor de cada um. Falar de crise é promovê-la, e calar-se sobre ela é exaltar o conformismo. Em vez disso, trabalhemos duro. Acabemos de uma vez com a única crise ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la."

Um caminho para a criatividade portanto, se estabelece a partir da angústia.

William Ribeiro

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

NOTAS A RESPEITO DO ADOLESCENTE ENVOLVIDO NO MEIO DELITIVO
Muito se repete dentro do vasto ambiente que é o sistema sócioeducativo brasileiro. Ao ser contratado para trabalhar em uma Fundação Casa do Vale do Paraíba, interior de São Paulo, pude perceber o quanto o contexto do público internado nesta importante Instituição possui características semelhantes.
Minha experiência profissional vem levantando algumas características relacionadas a este público, e ao assimilar alguns destes aspectos, resolvi escrever algo sobre o assunto. Pretendo deixar claro que este breve artigo não tem o objetivo de tornar-se referencial teórico para estudiosos desta realidade. Talvez seja uma forma de dividir com interessados no assunto um pouco das relações decorrentes deste público tão particular.
Pois bem, gostaria de frisar o que se repete no histórico destes jovens que lá estão, e que ao meu entender, sua condição de “sujeito fora da lei” está relacionada à construção de uma história que é marcada por vivenciar vasta pobreza de desejo. Como tenho um sensível interesse pela abordagem psicanalítica, descreverei minhas impressões a partir desta concepção de homem.
A prática psicológica nesta Instituição é marcada pelas seguintes ações: atendimento inicial ao adolescente que acaba de ser inserido na medida sócioeducativa, atendimentos psicológicos prestados durante o tempo em que o mesmo cumpre sua medida, atendimentos em grupo e entrevistas com os genitores ou responsáveis do jovem.
Ao entrevistar os responsáveis pelos adolescentes, sempre são relatas informações semelhantes a respeito da concepção dos jovens que são marcadas por gestações indesejadas, marcadas por “acidentes” provenientes do coito. Percebe-se que desde a gestação que o jovem não é fruto do interesse (leia-se desejo) dos pais, o que posteriormente leva a uma gestação marcada por sentimentos hostis frente ao bebê que carece de afeto e paixão dos genitores.
Nota-se que esta característica marca a falta de investimento ao jovem que desde sua “criação” é desprovido de investimento. Sem investimento, o indivíduo apresenta dificuldades em introjetar boas experiências desde sua tenra infância, ou seja, há carência de planejamento sobre o crescimento da criança e falta de energia canalizada a mesma.
Alguns consagrados psicanalistas em seus escritos baseados em seus estudos e prática profissional sempre mencionaram sobre a importância da relação mãe-bebê desde o início da vida. Segundo Klein e Winnicot as gratificantes experiências desta relação (entre cuidadora e bebê) desde o seu princípio, pode ajudar o indivíduo a tolerar maiores dificuldades em sua vida, pois ao acolher o indivíduo de forma amável e tranqüilizadora, interpretando suas necessidades e oferecendo afeto gratuito, o bebê pode desenvolver-se de forma saudável e mais resistente contra as dificuldades da vida.
Ao não experimentar esta saudável relação e “ingerir” recursos tão importantes para o desenvolvimento saudável do aparelho psíquico, deixa de adquirir os recursos tão importantes para o bom convívio em sociedade: estou falando da elaboração, sublimação, reparação e principalmente da resiliência. Reforço a importância da teoria do “seio bom” e “seio mal” de Melanie Klein que tão bem descreve a importância da mãe no desenvolvimento saudável do aparelho mental.
Por apresentar dificuldades em elaborar os acontecimentos da vida e a conviver com as suas incertezas, frustrações e tristeza, a criança ao adentrar na adolescência começa a fazer uso abusivo da pulsão de morte, utilizando para isso recursos que lhe beneficiam prazer através da angústia e desespero do outro. Como exemplo desta realidade, cito o símbolo da tatuagem com desenho do palhaço, símbolo este tão comumente utilizado pelos jovens inseridos no meio delitivo que possui o seguinte sentido: “a obtenção da minha própria alegria é proveniente do sofrimento que causo a você a quem agredi de alguma forma”.
Saliento que a obtenção desse prazer à custa do sofrimento do outro também impossibilita o adolescente a conviver com as imposições da lei, fator que promove neste meio a promoção do ódio em uma figura a quem associe como impositor da lei. Cito aqui os agentes sócioeducativos, juiz, polícia, seguranças, etc.
Para aliviar a angústia a qual não denomina (leia-se suporta) procura nas drogas, uma forma de tentar aliviar sua angústia, dor essa proveniente das duras experiências vividas durante sua tenra infância que estão ligadas a dificuldade em conviver com a realidade da forma que se apresenta ao sujeito.
Associo estas características uma espécie sistema auto-sustentável que ao desenvolver-se, pode promover graves transtornos psicopatológicos. Como o exemplo desses transtornos cito o transtorno de conduta e a psicopatia.
Meus estudos e experiência profissional a respeito do desenvolvimento mental saudável do indivíduo destacam a falta de maternagem deste público, que ao não gozar de experiências positivas em sua tenra infância e internalizá-las, apresenta dificuldade em estabelecer contato com a realidade de forma segura e potente e a buscar outras saídas para a dura realidade a qual vivenciam, além da falta de balizamento as transgressões sociais qual deviam ser inicialmente realizadas por uma figura qual representasse os aspectos paternos na vida do sujeito.
Ressalto que os adolescentes que possuem maiores recursos para eximir-se da criminalidade sempre apresentam investimento de figuras que exerceram a necessária Maternagem.
Confesso que acredito na importância da medida sócioeducativa de Internação, pois a atuação dos adolescentes gravemente inseridos na criminalidade demonstra o quanto estes jovens apresentam dificuldades em estabelecer limites para si mesmos, e a ocorrência de óbitos entre esses jovens possui elevada incidência, ou seja, não é mera coincidência.
Entendo que a medida de Internação é um meio de conter o que o próprio jovem não consegue fazer sozinho. E digo mais, em determinados momentos ouço dos próprios adolescentes que acompanho que a Internação era necessária, pois estes não tinham a mínima idéia do que estavam fazendo consigo.
Pode parecer loucura de minha parte, mas a sanção em determinado momento da vida, pode trazer possibilidades a quem em determinado momento da vida não consegue nem acreditar em si mesmo para alcançar conquistas lícitas que gozam do sabor imensurável da condição de ir e vir, de sofrer e vencer e principalmente do escolher.

William Ribeiro.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A TERCEIRIZAÇÃO DO AFETO

O estilo de vida moderno fez da vida das grandes cidades e até mesmo algumas pequenas um verdadeiro caos. Caos no sentido da programação diária, de que horas devemos almoçar, qual hora devemos dormir, praticar exercícios, trabalhar, estudar, enfim... a vida virou uma bagunça com o advento da globalização que acelerou tudo, incluindo o funcionamento do nosso psiquismo que não se adaptou a essas mudanças.
Ao meu entender esse estilo de vida primeiramente parecia ser algum tipo de resposta ao comportamento evolucionista do ser humano, que passou a realizar cada vez mais atividades em seus âmbitos, que recheados de tecnologia e entretenimento aparentavam que a vida seria mais prazerosa, uma vez que o objetivo da tecnologia era aumentar a nossa qualidade de vida nos permitindo ter mais tempo para nós, porém não foi isso que aconteceu. Vivemos cada vez entupidos de afazeres, com cada vez menos tempo com nós mesmos e esse auto-desamparo nos faz ativar alguns mecanismos comportamentais que muitas vezes estão anexados ao maior instrumento simbólico já existente na face da terra. O dinheiro.
Estar consigo mesmo implica pensar em nossas vidas, nossos conflitos, fantasias, frustrações, desejos, lembranças, enfim, nos faz olhar pra dentro de nós e ver o quanto estamos despreparados para isso. Para suprimir esse momento estamos vivendo a fase da terceirização do afeto.
Terceirizar ao meu entender significa colocar nas mãos de terceiros (pessoas ou coisas) os cuidados que não consigo oferecer a mim mesmo, e para ilustrar isso vemos a diversidade de procuras que realizamos durante nossos momentos de solidão. Citarei alguns exemplos:
• As compras sem necessidade em lojas, galerias e shoppings
• O consumo de alimentos
• Uso da abusivo da Internet, software de celulares, iphone, etc
Seriam possíveis muitos exemplos para exemplificar essa necessidade de terceirização do afeto que ao meu entender está diretamente associado a dificuldade que temos de estar consigo mesmo, de entrar em contato com o nosso mundo interno e suportar o que vem de dentro de nós, ainda que não seja a melhor sensação possível. Olhar pra dentro e conseguir discriminar o que nos faz terceirizar o nosso desejo de afeto também pode nos ajudar a melhorar a nossa tão difícil situação financeira.
Acredito muito na importância das emoções em nossas vidas e emoções que não são compreendidas também mexem em nossos bolsos a curto, médio e longo prazo e a procura por melhores condições econômicas muitas vezes está dentro de nós, dentro daquele que conhece suas emoções e as compreende bem.