sexta-feira, 13 de agosto de 2010

NOTAS A RESPEITO DO ADOLESCENTE ENVOLVIDO NO MEIO DELITIVO
Muito se repete dentro do vasto ambiente que é o sistema sócioeducativo brasileiro. Ao ser contratado para trabalhar em uma Fundação Casa do Vale do Paraíba, interior de São Paulo, pude perceber o quanto o contexto do público internado nesta importante Instituição possui características semelhantes.
Minha experiência profissional vem levantando algumas características relacionadas a este público, e ao assimilar alguns destes aspectos, resolvi escrever algo sobre o assunto. Pretendo deixar claro que este breve artigo não tem o objetivo de tornar-se referencial teórico para estudiosos desta realidade. Talvez seja uma forma de dividir com interessados no assunto um pouco das relações decorrentes deste público tão particular.
Pois bem, gostaria de frisar o que se repete no histórico destes jovens que lá estão, e que ao meu entender, sua condição de “sujeito fora da lei” está relacionada à construção de uma história que é marcada por vivenciar vasta pobreza de desejo. Como tenho um sensível interesse pela abordagem psicanalítica, descreverei minhas impressões a partir desta concepção de homem.
A prática psicológica nesta Instituição é marcada pelas seguintes ações: atendimento inicial ao adolescente que acaba de ser inserido na medida sócioeducativa, atendimentos psicológicos prestados durante o tempo em que o mesmo cumpre sua medida, atendimentos em grupo e entrevistas com os genitores ou responsáveis do jovem.
Ao entrevistar os responsáveis pelos adolescentes, sempre são relatas informações semelhantes a respeito da concepção dos jovens que são marcadas por gestações indesejadas, marcadas por “acidentes” provenientes do coito. Percebe-se que desde a gestação que o jovem não é fruto do interesse (leia-se desejo) dos pais, o que posteriormente leva a uma gestação marcada por sentimentos hostis frente ao bebê que carece de afeto e paixão dos genitores.
Nota-se que esta característica marca a falta de investimento ao jovem que desde sua “criação” é desprovido de investimento. Sem investimento, o indivíduo apresenta dificuldades em introjetar boas experiências desde sua tenra infância, ou seja, há carência de planejamento sobre o crescimento da criança e falta de energia canalizada a mesma.
Alguns consagrados psicanalistas em seus escritos baseados em seus estudos e prática profissional sempre mencionaram sobre a importância da relação mãe-bebê desde o início da vida. Segundo Klein e Winnicot as gratificantes experiências desta relação (entre cuidadora e bebê) desde o seu princípio, pode ajudar o indivíduo a tolerar maiores dificuldades em sua vida, pois ao acolher o indivíduo de forma amável e tranqüilizadora, interpretando suas necessidades e oferecendo afeto gratuito, o bebê pode desenvolver-se de forma saudável e mais resistente contra as dificuldades da vida.
Ao não experimentar esta saudável relação e “ingerir” recursos tão importantes para o desenvolvimento saudável do aparelho psíquico, deixa de adquirir os recursos tão importantes para o bom convívio em sociedade: estou falando da elaboração, sublimação, reparação e principalmente da resiliência. Reforço a importância da teoria do “seio bom” e “seio mal” de Melanie Klein que tão bem descreve a importância da mãe no desenvolvimento saudável do aparelho mental.
Por apresentar dificuldades em elaborar os acontecimentos da vida e a conviver com as suas incertezas, frustrações e tristeza, a criança ao adentrar na adolescência começa a fazer uso abusivo da pulsão de morte, utilizando para isso recursos que lhe beneficiam prazer através da angústia e desespero do outro. Como exemplo desta realidade, cito o símbolo da tatuagem com desenho do palhaço, símbolo este tão comumente utilizado pelos jovens inseridos no meio delitivo que possui o seguinte sentido: “a obtenção da minha própria alegria é proveniente do sofrimento que causo a você a quem agredi de alguma forma”.
Saliento que a obtenção desse prazer à custa do sofrimento do outro também impossibilita o adolescente a conviver com as imposições da lei, fator que promove neste meio a promoção do ódio em uma figura a quem associe como impositor da lei. Cito aqui os agentes sócioeducativos, juiz, polícia, seguranças, etc.
Para aliviar a angústia a qual não denomina (leia-se suporta) procura nas drogas, uma forma de tentar aliviar sua angústia, dor essa proveniente das duras experiências vividas durante sua tenra infância que estão ligadas a dificuldade em conviver com a realidade da forma que se apresenta ao sujeito.
Associo estas características uma espécie sistema auto-sustentável que ao desenvolver-se, pode promover graves transtornos psicopatológicos. Como o exemplo desses transtornos cito o transtorno de conduta e a psicopatia.
Meus estudos e experiência profissional a respeito do desenvolvimento mental saudável do indivíduo destacam a falta de maternagem deste público, que ao não gozar de experiências positivas em sua tenra infância e internalizá-las, apresenta dificuldade em estabelecer contato com a realidade de forma segura e potente e a buscar outras saídas para a dura realidade a qual vivenciam, além da falta de balizamento as transgressões sociais qual deviam ser inicialmente realizadas por uma figura qual representasse os aspectos paternos na vida do sujeito.
Ressalto que os adolescentes que possuem maiores recursos para eximir-se da criminalidade sempre apresentam investimento de figuras que exerceram a necessária Maternagem.
Confesso que acredito na importância da medida sócioeducativa de Internação, pois a atuação dos adolescentes gravemente inseridos na criminalidade demonstra o quanto estes jovens apresentam dificuldades em estabelecer limites para si mesmos, e a ocorrência de óbitos entre esses jovens possui elevada incidência, ou seja, não é mera coincidência.
Entendo que a medida de Internação é um meio de conter o que o próprio jovem não consegue fazer sozinho. E digo mais, em determinados momentos ouço dos próprios adolescentes que acompanho que a Internação era necessária, pois estes não tinham a mínima idéia do que estavam fazendo consigo.
Pode parecer loucura de minha parte, mas a sanção em determinado momento da vida, pode trazer possibilidades a quem em determinado momento da vida não consegue nem acreditar em si mesmo para alcançar conquistas lícitas que gozam do sabor imensurável da condição de ir e vir, de sofrer e vencer e principalmente do escolher.

William Ribeiro.